O País do Futebol, do Carnaval e da Polarização Política
O Brasil, conhecido mundialmente como o país do futebol, do carnaval e dos sorrisos, sempre teve uma identidade marcada pela alegria e receptividade. No entanto, com a ascensão do bolsonarismo, nos distanciamos da imagem de uma nação pacífica e moderada, tornando-nos um país permeado pelo negacionismo, seja em relação a estudos científicos sobre o aquecimento global, seja sobre a gravidade da pandemia de COVID-19, entre outras questões fundamentais.
Mas como chegamos a esse ponto? Por que os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro como presidente? Vou tentar explicar a partir da minha visão — ainda que limitada, mas embasada e conservadora dos fatos.
O Efeito Trump e o Crescimento da Extrema Direita
Tudo começou, ao meu ver, com o que aconteceu nos Estados Unidos. Em 2016, Donald Trump venceu as eleições e trouxe consigo uma onda de extrema-direita, mobilizando um exército de apoiadores radicais. Inacreditavelmente, grupos como a Ku Klux Klan e simpatizantes do nazismo manifestaram apoio ao então presidente, além de conservadores com discursos preconceituosos. Com Trump, veio também uma enxurrada de mentiras, frases populistas e campanhas de desinformação, reforçando a exclusão de minorias e acendendo um alerta que foi ignorado por muitas instituições de inteligência dos EUA.
Trump deu voz a extremistas de direita não só nos EUA, mas no mundo todo, abrindo caminho para uma polarização irreversível.
A Lava Jato e o Impeachment de Dilma Rousseff
Enquanto isso, no Brasil, Dilma Rousseff foi reeleita presidente, e o país continuaria sob o governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Na mesma época, a Operação Lava Jato foi deflagrada, investigando a participação de agentes públicos, empresários e doleiros em esquemas de corrupção envolvendo a Petrobras e contratos milionários, como o da construção da usina nuclear Angra 3.
A investigação atingiu membros de 33 partidos políticos, mas o foco principal da narrativa recaiu sobre o PT. Apesar de não haver provas concretas contra Dilma, a oposição a acusou de liderar um esquema criminoso. Aproveitando-se do fato de que mais de 70% da população brasileira não tinha um histórico de leitura política aprofundada, setores da direita, financiados por empresários e organizações como a Fiesp, disseminaram a ideia de que o PT era o único culpado pela corrupção no Brasil, com slogans como "Fora PT" e "PT Nunca Mais".
A Lava Jato, porém, começou a atingir outros partidos e políticos influentes. Foi então que o vice-presidente Michel Temer, do MDB, passou a articular nos bastidores a queda de Dilma. Gravações divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo mostraram Romero Jucá, aliado de Temer, sugerindo um "pacto" para barrar a operação. Jucá afirmava que era preciso "botar o Michel em um grande acordo nacional" e derrubar Dilma Rousseff, já que ela não estava movendo esforços para interferir na investigação.
Líderes do PSDB perceberam o impacto devastador que a Lava Jato poderia ter em diversos partidos e articularam vários pedidos de impeachment contra Dilma, mesmo sem provas de seu envolvimento em corrupção. Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, ameaçado por denúncias de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, usou sua posição para pressionar Dilma. Como ela se recusou a intervir nas investigações, Cunha aceitou um dos pedidos e deu início ao processo de impeachment, baseado nas chamadas "pedaladas fiscais" — prática que outros presidentes também adotaram, incluindo Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso.
O impeachment foi aprovado pela Câmara e seguiu para o Senado. Em 12 de maio de 2016, Dilma foi afastada e, em seu lugar, Temer assumiu interinamente.
A Eleição de 2018 e o Papel da Desinformação
A crise política e econômica aprofundou-se, e a população, desiludida, passou a buscar um nome forte para "salvar" o Brasil. Mesmo com a Lava Jato atingindo políticos de diversos partidos, o PT continuava sendo responsabilizado por todos os problemas do país.
Às vésperas da eleição de 2018, o ex-presidente Lula era o principal candidato na disputa, liderando as pesquisas contra seu adversário mais forte, Jair Bolsonaro. No entanto, novos desdobramentos da Lava Jato resultaram na condenação de Lula por corrupção, em um processo repleto de irregularidades e sem provas concretas. Juristas brasileiros e internacionais apontaram falhas na sentença, mas, ainda assim, Lula foi impedido de concorrer.
Sem Lula na disputa, o PT lançou Fernando Haddad como candidato, enquanto Bolsonaro, impulsionado por uma campanha massiva de desinformação, disparava nas pesquisas. Sua estratégia seguiu o modelo de Donald Trump: ataques populistas, fake news e a construção de uma narrativa de "salvador da pátria".
Steve Bannon, ex-estrategista da Casa Branca e peça-chave na vitória de Trump, foi contratado para coordenar a campanha digital de Bolsonaro. A partir de 2017, o Brasil foi bombardeado por notícias falsas, incluindo absurdos como a distribuição de "kit gay" nas escolas, a suposta ligação de Lula com Hitler e até a invenção de uma mamadeira com bico em formato de pênis. Essas informações falsas viralizaram, principalmente no WhatsApp, influenciando eleitores que, em sua maioria, não estavam habituados a verificar a veracidade das notícias na internet.
O Atentado e a Consolidação de Bolsonaro
A reta final da campanha foi marcada por um episódio inesperado. Durante um evento em Juiz de Fora, Minas Gerais, Bolsonaro foi esfaqueado por Adélio Bispo de Oliveira, um homem com histórico de transtornos mentais. Exames psiquiátricos confirmaram sua insanidade, e ele foi considerado inimputável pela Justiça.
Mesmo assim, Bolsonaro usou o atentado para reforçar sua narrativa de "guerra contra o comunismo" e acusou a esquerda de tentar assassiná-lo. Isso gerou ainda mais comoção entre seus eleitores, consolidando sua vitória no primeiro turno e garantindo sua eleição no segundo.
Sem propostas concretas para a economia, saúde e educação, Bolsonaro baseou sua campanha em ataques a adversários e promessas populistas como "Acabarei com a corrupção", "Fim da mamata" e "Vamos salvar o Brasil dos comunistas". Ele prometeu ainda nomear o juiz Sérgio Moro como ministro da Justiça — um claro sinal de que sua condenação a Lula tinha motivações políticas.
Moro, que até então negava envolvimento com a política, aceitou o cargo, levantando ainda mais suspeitas sobre a imparcialidade da Lava Jato.
O Bolsonarismo e o Fenômeno do Radicalismo
Com Bolsonaro eleito, um exército de apoiadores surgiu, defendendo pautas antidemocráticas, exaltando a ditadura militar e atacando minorias. Suas falas sobre tortura e elogios ao torturador Carlos Alberto Ustra mostraram o lado mais sombrio do bolsonarismo.
Além disso, Bolsonaro atacou programas sociais, como o Bolsa Família, chamando seus beneficiários de "acomodados" e dizendo que o projeto servia para manter o PT no poder. Seu discurso conquistou uma base fiel, que passou a segui-lo cegamente, rejeitando qualquer crítica ou dado factual que contradissesse sua visão.
Sem precisar debater propostas, Bolsonaro utilizou a internet para manipular a opinião pública, distorcendo fatos históricos e científicos. Assim, consolidou uma narrativa que transformou sua campanha em um verdadeiro culto à personalidade.
Continua ..
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